21/09/2020 - No dia 20 de novembro de 2020, o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, estava mais aflito que o normal. Pela televisão, acompanhava atento o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que colocaria um ponto-final em todos os problemas dele. Foi isso que lhe disseram. Na verdade, foi o que garantiram, mas não foi o que aconteceu. Na época, o policial aposentado já estava no centro do escândalo das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A promessa era a de que os ministros anulariam o inquérito e ele poderia, finalmente, retomar a vida normal, inclusive, quem sabe, voltando a trabalhar com o seu ex-patrão, o então senador eleito Flávio Bolsonaro. O STF, porém, ao contrário do que era esperado, deu sinal verde para que a investigação prosseguisse. Queiroz passou a ser pressionado pela sua família a romper o silêncio e colaborar com a Justiça. Mas ele resistiu, Mas ele resistiu, resiste até hoje e, ao que tudo indica, pretende continuar resistindo.
Logo após a decisão do STF, numa conversa com a sua mulher, Márcia Aguiar, o ex-policial explicou que não poderia fraquejar, porque o futuro das suas filhas dependia do seu silêncio. “Os amigos estão ajudando. Tudo irá se resolver, você vai ver”, disse ele, que já estava escondido na casa do advogado Frederick Wassef, então defensor de Jair e Flávio Bolsonaro, e onde acabaria preso sete meses depois. Os investigadores apostavam que a cadeia amoleceria a convicção do ex-policial, especialmente porque a ordem de prisão também atingia a esposa, a quem ele sempre procurou proteger. A estratégia também não deu certo. Com o apoio jurídico de um renomado criminalista de Brasília, Queiroz, depois de 22 dias detido, foi autorizado a cumprir prisão domiciliar. Tudo continuou se resolvendo, conforme ele previu.
Nos próximos dias, o Ministério Público do Rio de Janeiro deve apresentar a denúncia contra os envolvidos no escândalo da rachadinha. Os promotores vão apontar o que seria uma organização criminosa liderada pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro e operada por Fabrício Queiroz, que arrecadaria parte dos salários dos servidores do gabinete. Os crimes praticados pelo grupo envolveriam desde peculato até lavagem de dinheiro. A acusação se baseia em provas periciais, principalmente nas movimentações bancárias. Entre 2007 e 2018, o ex-policial recebeu 2 milhões de reais em 483 depósitos feitos por funcionários do gabinete do deputado. Ele também pagou algumas despesas do hoje senador e depositou 21 cheques, no total de 72 000 reais, na conta da primeira-dama Michele Bolsonaro entre 2011e 2016.
Nem o presidente nem a primeira-dama explicaram até hoje essa operação financeira. Uma pessoa próxima à família, sob a condição de anonimato, contou que Bolsonaro sustentará, caso seja formalmente perguntado sobre o assunto, que fez um empréstimo a Queiroz e que quitou a dívida em parcelas depositadas, por orientação do presidente, na conta de Michelle — uma transação que só pode ser considerada natural se realizada entre amigos. E os dois, de fato, sempre foram amigos. Recentemente, Bolsonaro chegou a pensar em explicar isso publicamente, mas acabou dissuadido por assessores. Como o presidente não é investigado no escândalo das rachadinhas, achou-se por bem deixar que o próprio Queiroz se encarregue da tarefa de dar todos os esclarecimentos no momento oportuno. O policial aposentado pretende dizer à Justiça que, da bolada que movimentou, 1,2 milhão de reais foram repassados por sua mulher e suas duas filhas que trabalhavam no gabinete. Na condição de patriarca, era ele o responsável por administrar as finanças do lar. Já em relação aos 800 000 reais restantes, transferidos por outros dez funcionários, Queiroz, orientado pelos advogados, vai argumentar que o dinheiro era dos salários, portanto cada um poderia voluntariamente decidir o que fazer com ele. Para rebater a acusação de que os funcionários eram fantasmas, dirá que havia um esquema de trabalho remoto no gabinete. Ou seja, o ex-policial assumirá a responsabilidade por tudo que ocorreu. Vai matar no peito — e, talvez, ele nem precise chegar a esse ponto.
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